segunda-feira, 31 de agosto de 2020

INQUISIÇÃO DESMISTIFICADA

 



 

Em mais de mil páginas escritas ou ilustradas procurei escrever um livro que esclarecesse o assunto e afastasse os mitos que existem em torno da inquisição, fomentados por uma tradição popular equivocada e alimentados ainda mais pela literatura e pelo cinema.

 

No imaginário popular a inquisição foi uma criação da Igreja Católica para “caçar bruxas”, mas esta é uma visão simplista e que conduz a muitos equívocos e “lendas negras” completamente divorciadas da realidade histórica.


Em primeiro lugar é necessário fazer uma distinção entre a Inquisição enquanto instituição e inquisição enquanto procedimento. De fato existiu o “Tribunal do Santo Ofício da Inquisição” (hoje chamado de “Congregação para Doutrina da Fé”), uma instituição católica criada em 1233 com o objetivo inicial de combater a heresia entre o clero. Entretanto, como procedimento, a inquisição sempre existiu, tendo sua origem no Direito Romano, e com o significado de “inquérito”, equivalendo aos processos judiciais de hoje. Dessa forma, tanto a tortura quanto o processo arbitrário, não foram criação de nenhum governante ou grupo religioso, mas igualmente vieram do Direito Romano.

 

Assim sendo, antes de se tornar uma instituição jurídica da Igreja, os governantes já a praticavam em seus territórios e até com maior rigor do que a Igreja viria a praticar. Convém anotar que, mesmo antes de oficializada enquanto órgão jurídico, a Igreja Católica também já a exercia através dos bispos, a chamada “inquisição episcopal”.

 

A Inquisição Católica teve início na França. Todavia, Joana d’Arc não foi vítima da Inquisição, muito menos da Igreja Católica. Joana era prisioneira de guerra dos ingleses e o único bispo (Cauchon) que participou do processo se encontrava fora de sua jurisdição e refugiado junto aos ingleses, tanto que foi excomungado quando da canonização da jovem guerreira.

 

Ocorre que em muitos países ou territórios as igrejas não tiveram sequer alguma participação, ficando o processo todo por conta do Estado. Um claro exemplo disso é a região alemã da Baviera, na qual o Conselho de Estado do Duque Maximiliano se encarregava de tais casos. Foi nestas circunstâncias que a “caça às bruxas” teve mais intensidade, mesmo porque o papado sempre foi contra a superstição da crença nas bruxas, só vindo a ceder por conta da pressão de alguns governantes, por volta do século XVII, quando a instituição católica já estava cambaleante.

 

Outro governante que criou métodos inquisitoriais extremamente cruéis foi Vlad Tepes (pronuncia-se Tsep-pesh), voievoda (título equivalente a príncipe) da Transilvânia e da Valáquia, que a literatura e o cinema popularizaram como o famigerado vampiro Conde Drácula. Entretanto o termo Drácula nunca foi sobrenome, mas sim designação de membro da “Ordem do Dragão” (“Dracul” em romeno), uma ordem semi-monástica e semi-militar católica à qual Vlad Dracul (pai de Vlad Tepes) pertencia. Os “Dráculas” eram, portanto, “cavaleiros cruzados”, assim como alguns Frankenstein, que eram da “Ordem Teutônica”.

 

A Inquisição Espanhola e seu terrível Grande Inquisidor Tomás de Torquemada têm a fama injusta de ter matado milhões por conta da “Lenda Negra” disseminada por movimentos anticatólicos que surgiram a partir do século XVI. Na verdade até mesmo os historiadores mais conservadores estimam em menos de duas mil as mortes ocorridas. Tanto da Espanha quanto em Portugal a criação da Inquisição ocorreu por pressão dos monarcas, à qual a Igreja Católica cedeu de forma reticente. Vale lembrar que a Inquisição Espanhola foi criada pelos monarcas Fernando e Isabel para combater os judeus, expulsos da Espanha em 1492. Em 1609 foram expulsos os mouros (muçulmanos). A partir daí a perseguição do Estado, com o apoio da Igreja Católica, centrou-se no luteranismo, no iluminismo e até nos próprios católicos que se desvirtuavam da religião (é aí que surgem também os casos de bruxaria).

 

A Inquisição Portuguesa seguiu na mesma trilha de perseguição racial, com a expulsão dos judeus (ou batismo forçado) em 1496 e 1497.


O que poucos sabem (ou pouco se divulga) é que as inquisições protestantes mataram muito mais (e com maior crueldade) do que os católicos.

 

A crueldade foi especialmente severa na Alemanha protestante, onde as posições de Lutero contra os anabatistas causaram a morte de pelo menos trinta mil camponeses. Das crônicas e processos regionais que chegaram até nós, cabe deduzir, que as vítimas se contaram por milhares. Gardner calcula nove milhões (Gardner, Gerald B. “Ursprung und Wirklichkeít der Hexen”. Weilheim, 1965, pp. 30 e ss.).  Morrow simplesmente diz que foram milhões (Morrow, F. e Summers, Montagne. “The history of Wittchcraft and Demonology” 2a ed., Nova York, 1956.). W. A. Schroeder, contemporâneo aos fatos, anotou que nas localidades de Bamberg e Zeil, entre 1625 e 1630, (cinco anos) se realizaram nada menos que novecentos processos de bruxaria. Deles (numa exceção), duzentos e trinta e seis terminaram com condenação à morte na fogueira. Só num ano, 1617, em Wurzburgo, foram queimadas trezentas bruxas; em total nesta região, as atas apresentam mil e duzentas condenações à morte. Além da Alemanha, o luteranismo perseguiu e matou na Suíça, na Suécia, na Itália e até nos Estados Unidos da América (as “Bruxas de Salém” estão aí incluídas).

 

O calvinismo (de João Calvino) chegou a criar uma organização jurídica semelhante à Inquisição católica, o Consistório, que também perseguiu e matou muitas pessoas na Suíça, na Holanda a até no Brasil, onde ocorreram os massacres de Cunhaú e Uruaçú que vitimaram em torno de cento e cinquenta pessoas que se negaram à conversão ao calvinismo.

 

O anglicanismo igualmente perseguiu e matou centenas, com requintes de crueldade. Merece destaque Mathew Hopkins, o “Caçador Geral de Bruxas” que, sozinho, foi responsável pela morte de aproximadamente duas centenas de bruxas na Inglaterra. Também nos Estados Unidos da América foram enforcadas algumas bruxas.

 

Aos eventuais críticos da inquisição (qualquer uma delas), deixo, todavia, uma reflexão: o que mudou? Trocamos a fogueira pela cadeira elétrica e a forca pela injeção letal. Árabes são torturados em Abu Graib e Guantánamo. Negros são torturados e mortos na frente das câmeras nos Estados Unidos e nas favelas do Brasil. Ah, dirão alguns, mas colocamos o homem na Lua. Sim, com tecnologia militar alemã da Segunda Guerra. Além do mais Leonardo Da Vinci já projetava engenhos voadores entre os séculos XV e XVI. Ah, dirão outros, mas hoje temos a informática e a Internet. Sim, que também foram desenvolvidas na Inglaterra em operações militares igualmente da Segunda Guerra. Ademais, nenhuma ciência de computação seria possível sem a descoberta da sequência de Fibonacci em 1202. Apenas aprimoramos conhecimentos que nos foram legados séculos atrás.

 

Além do mais, no meu entender modesto, a “Idade das Trevas” tem relação direta com o declínio da Civilização Romana, tese que procuro demonstrar no livro INQUISIÇÃO DESMISTIFICADA, com lançamento virtual previsto para 31/10/2020 (Dia das Bruxas).