sábado, 23 de fevereiro de 2019

AS BRUXAS (?) DE GUARATUBA


O Caso Evandro 

Caso Evandro refere-se ao sequestro e assassinato do garoto Evandro Ramos Caetano, em 1992, na cidade litorânea de Guaratuba, Estado do Paraná, no Brasil.
Evandro Ramos Caetano, que em 1992 tinha 6 anos, desapareceu em 6 de abril daquele ano. Seu suposto corpo foi encontrado em 11 de abril, num matagal da cidade, sem vários órgãos, com mãos e pés amputados, e vísceras e coração arrancadas.
O assunto gerou grande repercussão e comoção na imprensa brasileira (ver abaixo).







A promotoria pública do Paraná acusou Beatriz Cordeiro Abagge e sua mãe, Celina Abagge, como mentoras do sequestro e morte de Evandro com o intuito de utilizar o corpo em um ritual de magia negra.

Em 23 de março de 1998, Beatriz e Celina foram julgadas, pela primeira vez, no mais longo júri da história da justiça brasileira (34 dias de julgamento) e consideradas inocentes. Em 1999 o júri foi anulado, sendo retomado o julgamento em maio de 2011.
Outros envolvidos no assassinato, também foram julgados pelo crime, como o pai de santo Osvaldo Marcineiro, o pintor Vicente Paulo Ferreira e o artesão Davi dos Santos Soares foram condenados em 2004. Já Francisco Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos foram absolvidos em 2005.
Na tarde de 28 de maio de 2011, Beatriz foi condenada a 21 anos e 4 meses de prisão (em votação apertada: 4 x 3), 13 anos depois do primeiro julgamento. Em 17 de abril de 2016, o Tribunal de Justiça do Paraná concedeu perdão de pena para Beatriz Abagge.

Má Condução da Investigação – Abuso de Poder e Autoridade, Sevícias e Torturas

A revista ISTOÉ trouxe, na edição nº 2.163 de 27/04/2.011 informações que comprometem a seriedade das investigações e lançam dúvidas até mesmo quanto à identidade do corpo encontrado.
Informa a revista que as confissões foram obtidas de forma ilícita, sob tortura e por policiais que não tinham autoridade nenhuma para investigar o caso, pois, agindo a mando da promotoria local, a Polícia Militar havia torturado brutalmente os suspeitos para obter a confissão desejada.
Anunciada a localização do corpo de Evandro, ou do suposto corpo como se verá mais adiante, a polícia civil começou a investigar e a enfrentar obstáculos – um deles é que durante dois meses os laudos do IML e da perícia não lhe foram fornecidos, embora estivessem concluídos. Vai entrar em cena, nesse momento e sem competência legal para cuidar do homicídio, o então grupo de elite da Polícia Militar do Paraná.
Por meio de depoimentos de policiais e ex-policiais que atuaram no caso, dados com exclusividade à ISTOÉ, hoje se comprova que alguns integrantes desse grupo da PM agiram como agiam os seviciadores da ditadura, à época recém-encerrada no Brasil. “Houve tortura. Pessoas das quais os policiais militares suspeitavam foram sequestradas, levadas sem mandado de prisão e torturadas”, diz o delegado e diretor do Departamento de Crimes contra o Patrimônio, Luiz Carlos Oliveira, um dos homens mais prestigiados da polícia no Paraná. Ele fala com a autoridade de quem investigava o desaparecimento de Leandro e cruzou com as investigações sobre a morte de Evandro. “Beatriz e Celina foram seviciadas até dizerem que mataram Evandro. Outro acusado, o pai de santo Osvaldo Marcineiro, não tinha mais costas de tanto levar porrada. As costas dele ficaram negras. Era um hematoma só. Eu vi.”  
Os policiais prenderam e transportaram em carros “chapas frias” Celina e Beatriz, achando que Beatriz era Sheila. Enquanto isso, Osvaldo Marcineiro e mais dois suspeitos já amargavam torturas na casa de veraneio em Guaratuba do ex-ditador do Paraguai Alfredo Stroessner, localizada e fotografada por ISTOÉ. Tanto em Curitiba quanto em Guaratuba, a questão de ter havido tortura é ponto pacífico. “O Ministério Público quer condenar a ré para jogar uma cortina de fumaça nas atrocidades cometidas”, diz o advogado Adel El Tasse.
Beatriz foi violada sexualmente por cinco torturadores, tomou choques elétricos e padeceu de sessões de “afogamento” numa chácara – eis a explicação do motivo pelo qual ela não conseguiria durante anos lavar o rosto normalmente. “Desmaiei não sei quantas vezes durante a tortura, sangrei, urinei, evacuei. Foi estupro, choque e afogamento”, diz ela. E os torturadores só souberam que Beatriz era Beatriz, e não Sheila, quando levaram um ensanguentado Osvaldo Marcineiro à sua presença e ele a chamou pelo nome. Na mesma chácara, em outro quarto, Celina também era seviciada. Quando Beatriz não suportou mais o suplício, foi carregada para diante da mãe e implorou: “Diga tudo o que eles quiserem porque eu não aguento mais choque, não aguento mais estupros e afogamentos.” “Ela me suplicou para que eu falasse em um gravador tudo aquilo que os torturadores me ditavam”, diz Celina.
Em fita cassete que compõe o processo, ouvem-se vozes ao fundo e há o constante ruído de ligar e desligar o aparelho. Mais: as respostas de Celina demonstram que alguém corrigia o que ela falava: “Com o que você matou?”, pergunta o torturador. “Com uma paulada”, responde Celina – e o gravador é desligado. Ligado novamente, ela corrige: “Com uma faca.” Desliga. Liga. Ela diz: “Não, com uma serra.” Ruído, e vem a complementação: “Serra da serraria.” “Uma investigação que começa errada só pode terminar errada”, diz o ex-policial e advogado João Ricardo Keppes de Noronha, que à época mandou apurar o que ocorrera. Dos “porões” da repressão em Guaratuba elas foram transportadas para diversos postos da Polícia Militar e finalmente à penitenciária de Piraquara – aquela onde soldavam o basculante para as “bruxas” não fugirem. Ao desembarcarem nela, cada uma das mulheres ficou trancafiada um mês em “solitárias”, nuas, sem direito a banho, sem um segundo de sol e privadas de alimentação adequada. Beatriz já começava a gargalhar sozinha a gargalhada das loucas, quando uma aranha a devolveu à sanidade.
De fato, conforme se observa do trecho da transcrição do depoimento publicado à época pela revista VEJA de 15/07/1992, fica evidente que a depoente está sob forte pressão no momento da gravação (ver abaixo).


O corpo Sepultado Não é de Evandro
O coronel da reserva Valdir Copetti Neves rompeu o seu silêncio de 19 anos e declarou: “Por que perguntar de tortura e circunstâncias de prisão somente para mim? Por que não se pergunta também ao Ministério Público e à Polícia Federal que estavam na investigação?” Não bastasse a forma ilegal e truculenta de investigação, vários depoimentos de autoridades de Curitiba e de pessoas do povo de Guaratuba dão conta de que o corpo que está sepultado, no terceiro túmulo para quem pisa o Cemitério Central através de sua porta principal, muito provavelmente não é o de Evandro Caetano. O Ministério Público admitiu que não tinha fato novo para o julgamento e acabou alimentando a tese de que Evandro não está ali enterrado: em 19 anos, por 18 vezes se pronunciou contrário à exumação, atitude que não tomaria se tivesse certeza de que se trata dos restos mortais do menino.


O túmulo é uma capela de tijolinhos com gavetas à sua esquerda. “Em qual delas está o Evandro?”, pergunta-se ao zelador do cemitério, Luiz Ferreira. De óculos escuros, fumando e negando-se terminantemente a ser fotografado, ele dispara: “Em qual gaveta? Se é que ele está aí. Quem disse que ele está aí?” O garçom Wilson Henttralt, 56 anos, que vive em Guaratuba e desde criança é vizinho da família de Evandro, também levanta dúvidas em relação ao fato de ser mesmo dele o corpo que a polícia atestou que era. “Esse crime paralisou a cidade e ainda hoje só se fala sobre ele. Houve muita confusão, acho que ninguém sabe ao certo se o corpo encontrado é o do garotinho”, diz Henttralt. “Certeza absoluta de que não é o corpo” quem tem é o delegado Oliveira: “Não é o cadáver de Evandro. Durante as investigações eu disse: pago do meu bolso as despesas de exumação. Ninguém quis me ouvir.” 
Três exames de DNA foram feitos na época e dois deram “inconclusivos”. O terceiro teste, com um dente de leite que a mãe de Evandro guardara em sua casa bem antes do desaparecimento do filho, constatou apenas o óbvio: que se tratava de um dente do menino. Até aí, nada. Não se estabeleceu nenhum vínculo entre esse dente de leite e o corpo. ISTOÉ revela o depoimento prestado à Justiça pelo professor de criminalística e perito criminal Arthur Conrado Drischel, que examinou local e cadáver: “O corpo não condizia com uma criança de 6 anos de idade, que no caso também não poderia condizer com a vítima Evandro Ramos que tinha 6 anos de idade (…) e todos os outros dados também não condiziam com a descrição de Evandro.” Mais: os peritos deixaram registrado o “desconhecimento da identidade da vítima”.

Até os dias atuais a história que mais resiste ao desgaste do tempo naquela pequena cidade paranaense é o caso das “Bruxas de Guaratuba”.