Em mais de mil páginas
escritas ou ilustradas procurei escrever um livro que esclarecesse o assunto e
afastasse os mitos que existem em torno da inquisição, fomentados por uma
tradição popular equivocada e alimentados ainda mais pela literatura e pelo
cinema.
No imaginário popular a
inquisição foi uma criação da Igreja Católica para “caçar bruxas”, mas esta
é uma visão simplista e que conduz a muitos equívocos e “lendas negras”
completamente divorciadas da realidade histórica.

Em primeiro lugar é
necessário fazer uma distinção entre a Inquisição enquanto instituição e
inquisição enquanto procedimento. De fato existiu o “Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição” (hoje chamado de “Congregação para Doutrina da Fé”),
uma instituição católica criada em 1233 com o objetivo inicial de
combater a heresia entre o clero. Entretanto, como procedimento, a
inquisição sempre existiu, tendo sua origem no Direito Romano, e com o
significado de “inquérito”, equivalendo aos processos judiciais de hoje. Dessa
forma, tanto a tortura quanto o processo arbitrário, não foram criação de
nenhum governante ou grupo religioso, mas igualmente vieram do Direito Romano.
Assim sendo, antes de se
tornar uma instituição jurídica da Igreja, os governantes já a praticavam em
seus territórios e até com maior rigor do que a Igreja viria a praticar. Convém
anotar que, mesmo antes de oficializada enquanto órgão jurídico, a Igreja
Católica também já a exercia através dos bispos, a chamada “inquisição episcopal”.
A Inquisição Católica teve
início na França. Todavia, Joana d’Arc não foi vítima da Inquisição, muito
menos da Igreja Católica. Joana era prisioneira de guerra dos ingleses e o
único bispo (Cauchon) que participou do processo se encontrava fora de sua
jurisdição e refugiado junto aos ingleses, tanto que foi excomungado quando da
canonização da jovem guerreira.
Ocorre que em muitos países
ou territórios as igrejas não tiveram sequer alguma participação, ficando o
processo todo por conta do Estado. Um claro exemplo disso é a região alemã da
Baviera, na qual o Conselho de Estado do Duque Maximiliano se encarregava de
tais casos. Foi nestas circunstâncias que a “caça às bruxas” teve
mais intensidade, mesmo porque o papado sempre foi contra a superstição da
crença nas bruxas, só vindo a ceder por conta da pressão de alguns governantes,
por volta do século XVII, quando a instituição católica já estava cambaleante.
Outro governante que criou
métodos inquisitoriais extremamente cruéis foi Vlad Tepes (pronuncia-se Tsep-pesh),
voievoda (título equivalente a príncipe) da Transilvânia e da Valáquia, que a
literatura e o cinema popularizaram como o famigerado vampiro Conde Drácula.
Entretanto o termo Drácula nunca foi sobrenome, mas sim designação de membro da
“Ordem
do Dragão” (“Dracul” em romeno), uma ordem semi-monástica e semi-militar católica
à qual Vlad Dracul (pai de Vlad Tepes) pertencia. Os “Dráculas” eram, portanto,
“cavaleiros
cruzados”, assim como alguns Frankenstein, que eram da “Ordem
Teutônica”.
A Inquisição Espanhola e seu
terrível Grande Inquisidor Tomás de Torquemada têm a fama injusta de ter matado
milhões por conta da “Lenda Negra” disseminada por
movimentos anticatólicos que surgiram a partir do século XVI. Na verdade até
mesmo os historiadores mais conservadores estimam em menos de duas mil as
mortes ocorridas. Tanto da Espanha quanto em Portugal a criação da Inquisição
ocorreu por pressão dos monarcas, à qual a Igreja Católica cedeu de forma
reticente. Vale lembrar que a Inquisição Espanhola foi criada pelos monarcas
Fernando e Isabel para combater os judeus, expulsos da Espanha em 1492. Em 1609
foram expulsos os mouros (muçulmanos). A partir daí a perseguição do Estado,
com o apoio da Igreja Católica, centrou-se no luteranismo, no iluminismo e até
nos próprios católicos que se desvirtuavam da religião (é aí que surgem também
os casos de bruxaria).
A Inquisição Portuguesa
seguiu na mesma trilha de perseguição racial, com a expulsão dos judeus (ou
batismo forçado) em 1496 e 1497.
O que poucos sabem (ou pouco
se divulga) é que as inquisições protestantes mataram muito mais (e com maior
crueldade) do que os católicos.
A crueldade foi
especialmente severa na Alemanha protestante, onde as posições de Lutero contra
os anabatistas causaram a morte de pelo menos trinta mil camponeses. Das
crônicas e processos regionais que chegaram até nós, cabe deduzir, que as
vítimas se contaram por milhares. Gardner calcula nove milhões (Gardner, Gerald
B. “Ursprung und Wirklichkeít der Hexen”. Weilheim, 1965, pp. 30 e ss.). Morrow simplesmente diz que foram milhões (Morrow,
F. e Summers, Montagne. “The
history of Wittchcraft and Demonology” 2a ed., Nova York, 1956.). W.
A. Schroeder, contemporâneo aos fatos, anotou que nas localidades de Bamberg e
Zeil, entre 1625 e 1630, (cinco anos) se realizaram nada menos que novecentos
processos de bruxaria. Deles (numa exceção), duzentos e trinta e seis
terminaram com condenação à morte na fogueira. Só num ano, 1617, em Wurzburgo,
foram queimadas trezentas bruxas; em total nesta região, as atas apresentam mil
e duzentas condenações à morte. Além da Alemanha, o luteranismo perseguiu e
matou na Suíça, na Suécia, na Itália e até nos Estados Unidos da América (as “Bruxas
de Salém” estão aí incluídas).
O calvinismo (de João
Calvino) chegou a criar uma organização jurídica semelhante à Inquisição
católica, o Consistório, que também perseguiu e matou muitas pessoas na Suíça,
na Holanda a até no Brasil, onde ocorreram os massacres de Cunhaú e Uruaçú que
vitimaram em torno de cento e cinquenta pessoas que se negaram à conversão ao
calvinismo.
O anglicanismo igualmente
perseguiu e matou centenas, com requintes de crueldade. Merece destaque Mathew
Hopkins, o “Caçador Geral de Bruxas” que, sozinho, foi responsável pela
morte de aproximadamente duas centenas de bruxas na Inglaterra. Também nos
Estados Unidos da América foram enforcadas algumas bruxas.
Aos eventuais críticos da
inquisição (qualquer uma delas), deixo, todavia, uma reflexão: o que mudou?
Trocamos a fogueira pela cadeira elétrica e a forca pela injeção letal. Árabes
são torturados em Abu Graib e Guantánamo. Negros são torturados e mortos na
frente das câmeras nos Estados Unidos e nas favelas do Brasil. Ah, dirão
alguns, mas colocamos o homem na Lua. Sim, com tecnologia militar alemã da
Segunda Guerra. Além do mais Leonardo Da Vinci já projetava engenhos voadores
entre os séculos XV e XVI. Ah, dirão outros, mas hoje temos a informática e a
Internet. Sim, que também foram desenvolvidas na Inglaterra em operações
militares igualmente da Segunda Guerra. Ademais, nenhuma ciência de computação
seria possível sem a descoberta da sequência de Fibonacci em 1202. Apenas
aprimoramos conhecimentos que nos foram legados séculos atrás.
Além do mais, no meu
entender modesto, a “Idade das Trevas” tem relação direta com o declínio da Civilização
Romana, tese que procuro demonstrar no livro INQUISIÇÃO DESMISTIFICADA, com
lançamento virtual previsto para 31/10/2020 (Dia das Bruxas).